Em uma parceria dos cursos de Direito, Teatro e Comunicação, o campus Paulista sediou uma mistura de argumentação jurídica real entre defesa e promotoria com encenações de alunos de teatro, recriando um caso histórico de acordo com a legislação e jurisprudência atuais
Por Henrique Monetta (colaboração AGCOM - campus Paulista)
A Universidade Anhembi Morumbi (UAM), campus Paulista, realizou um julgamento simulado inspirado no famoso caso Ângela Diniz.
Intitulado Projeto Ângela Diniz, foi uma encenação inspirada pelo julgamento real, em uma parceria das coordenações dos cursos de teatro, direito e comunicação.
O evento ocorreu no hall do campus em 5 de dezembro de 2023 e contou com a participação de estudantes e professores da universidade. O júri foi composto por sete alunos de teatro com conhecimento do caso, que foram sorteados de um grupo de 25 possíveis júris.
O objetivo da simulação foi analisar o caso de Ângela Diniz (tem resumo em vídeio aqui) com a jurisprudência e legislação atual e verificar qual seria o veredicto nos dias atuais.
O caso
Em 1976, Ângela Maria Fernandes Diniz, socialite brasileira, foi assassinada por seu namorado na época, Raul do Amaral Street, conhecido como Doca Street, em Búzios, Rio de Janeiro.
O julgamento de Doca Street foi um dos mais notórios da história do Brasil, pois a defesa usou a tese de “legítima defesa da honra” para justificar o assassinato. A tese argumentava que, em casos de adultério, o homem tinha o direito de matar a mulher que o traía.
Em um primeiro julgamento, o júri absolveu Doca Street da acusação de homicídio doloso e condenou-o por homicídio culposo, com uma pena de dois anos de prisão. No entanto, a decisão foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e Doca Street foi condenado a 15 anos de prisão por homicídio doloso.
A opinião pública, na época, foi favorável ao réu Doca Street, que alegou ter “matado por amor”. O caso foi um divisor de águas e causou uma reflexão sobre a tese de legítima defesa da honra, que justificava feminicídios. Anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a legítima defesa de honra como inconstitucional.
O julgamento simulado do caso Ângela Diniz é uma oportunidade para refletir sobre a violência contra a mulher e a importância da justiça em casos de feminicídio. O caso é emblemático e traz à tona a discussão sobre a cultura do machismo e a necessidade de mudanças na sociedade. “Os dois principais aspectos que a gente tem nesse caso de atualização se dá primeiro no plano da mudança social, hoje o debate da violência contra a mulher é mais forte, as pessoas estão mais conscientes, então um caso como esse chama muito mais atenção e causa muito mais revolta nas pessoas. Por outro lado também tem uma mudança no âmbito jurídico, no período anterior foi usada uma tese que hoje é proibida pelo STF, por violar a dignidade da pessoa humana, que é a tese de legítima defesa da honra”, destaca Pedro Borato, professor de Direito Penal.
Resultado
O julgamento simulado ocorreu e o resultado foi diferente do proferido mais de 30 anos atrás. “A maior diferença é o reconhecimento da impossibilidade do uso da tese de legítima defesa da honra, que foi utilizado no caso primário que hoje não pode ser utilizado por decisão do STF. A segunda mudança que a gente pode acrescentar é a criação da lei que estabeleceu o crime de feminicídio ", disse o juiz do caso e professor de Direito, Rodrigo Teles.
A estratégia da defesa do réu foi a de tentar conseguir a pena de homicídio privilegiado, aquele em que a pessoa que cometeu o crime estava sob a influência de um motivo relevante, emoção violenta ou provocação injusta da vítima. “O réu é confesso, não tinha como tirar essa acusação, não foi legítima defesa, então a gente partiu do princípio que ele ia ser penalizado, só que a gente gostaria que tivesse a pena simples e o emprego do homicídio privilegiado, então a gente tentou afastar todas as qualificadoras que agravasse ainda mais a pena que ele ia ter", explica Iasmim Litieres, aluna do curso de Direito que atuou como advogada de defesa do réu.
No final da apresentação, foi proferida sentença penal condenatória pelo crime de feminicídio (Art. 121. · § 2, VI, CPB), com pena de 17 anos de reclusão. “A gente estava esperando por esse resultado, a gente trabalhou bastante para isso, para que Doca fosse condenado”, conta Paula Natsumi Vasconcelos Iamassita, aluna do curso de Direito que participou da promotoria do caso.
“Em um caso como esse, a gente já entra sabendo que o réu é culpado, e dentro de todos os argumentos que eles colocam é tentar igualar e diminuir a pena do réu.” disse Amanda Gomes, aluna de direito que participou do júri.
“Se a gente for colocar em pauta o que aconteceu antigamente, vai acabar trazendo pra gente um conhecimento muito mais amplo sobre os direitos humanos”, conta Samara, estudante de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia, que assistiu ao evento por estar acompanhando a irmã que fez parte da simulação.
Confira alguns registros feitos pela equipe da AGCOM campus Paulista:
O evento foi realizado na Expo Anhembi Morumbi (UAM-PA), numa colaboração dos coordenadores Laura Mascaro (Direito), Deborah Serretiello (Teatro) e Bernardo Queiroz Santos (Comunicação e Artes), junto dos professores Julia Almeida, Rodrigo Teles, Pedro Borato e Rafael Khalil.
“Essa interdisciplinaridade não é fácil da gente atingir. Fazer essas áreas dialogarem é algo que é muito trabalhoso mas que vale muito a pena e eu acho que essa experiência é fantástica para todos que estão envolvidos”, destaca Laura Mascaro, coordenadora do curso de Direito.
Kommentare